Depois de um mês em que tudo correu torto, em que tive de fazer das tripas coração para aguentar este pessoal que se foi abaixo devido à partida do Kique e da minha operação, cá estou a fazer-me forte e a dar estímulo à Sónia e ao Zé Manel. São circunstâncias da vida, há momentos maus, mas temos de os enfrentar… e a Vida tem que continuar!
Quero agradecer à Palmira Marques, de Coimbra, que me autorizou a transcrever este texto sobre Timor. E tenho-a de felicitar, pois para uma pessoa que nunca esteve em Timor, relatou esta “viagem” como se conhecesse estas terras palmo a palmo.
Obrigada, Palmira, pelo texto e pela autorização a transcrevê-lo neste blog.
Também eu ouço a chuva a cair...
Estou em Tutuala no extremo mais extremo de Timor Lorosae! A chuva branda cai de mansinho sobre o mar. Estou descalça e com roupas leves! O clima é fabuloso! Oiço no CD, música maubere, tocada em instrumentos indígenas com sons e vozes divinos! A mesa, coberta com taís[1], apresenta-me uma variedade de frutos apetitosos! O cheiro do café de Ermera, inebria o ar! Da janela, os verdes e os azuis misturam-se. O arco-íris, está lá, a compor o bouquet. Passei a Taprobana, mas valeu a pena: agora espraio-me nas areias de Tasi Tolu e subo o Tata-Mai-Lau. Entro no beiro[2] e vou a Ataúro, a ilhota que fica a duas horas de barco. Timor é tudo o que sonhei! Estou a 18 mil quilómetros do cantinho que me viu nascer, mas nem por isso estou infeliz. Deixei tudo para trás e parti um dia, qual descobridor quinhentista para chegar o aeroporto de Baucau numa chuvosa e cálida noite. À minha espera, meus amigos, Kirsty, Francisco de Gusmão, D. Eva e senhor Jacob. Segui com eles para uma[3], no centro de Dilí, perto do cemitério, no Bairro de Santa Cruz. Instalo-me: casa simples, mas acolhedora. No dia seguinte saio para o basar[4]. Muitos catuas[5] vendendo mânu-aman[6] barak[7].Tudo me espanta, mas nada me espanta mais do que discutir os preços com os vendedores. À boa maneira tradicional, regateamos e chegamos a um consenso. Tudo é comprado com muita discussão! Almoço na Olandina uma boa feijoada à portuguesa mas provo também as bolas de etu[8] com íkan[9].
Os dias vão passando e eu conhecendo a ilha: Laklubar, Barike, Venilale, Ossu, Vikeke, Lore, avançando cada vez mais para este, chego ao meridiano 127º: Lautém, uma das preferidas de Rui Cinaty:”As manhãs, mesas de bruma , de Lautém...”. Em Los Palos, reencontro minha amiga Enia, o marido Jery e as filhas, Jenia e Libertária (porque nasceu dia da Independência). Visito ainda a campa da irmã de Enia. Sigo para Mehara e chego por fim a Tutuala. Cova Lima e Ainaro, fazem parte doutro périplo. Depois Balibó, a fronteira com a Indonésia. Os vizinhos são acolhedores! Sigo por Ermera e passo por Aileu. Regresso a Dili. Deixo para mais tarde a visita ao enclave de Oekussi.
A chuva persiste. Inunda os cafezais e os campos de hare[10]. Estiro-me na rede e penso na casinha que comprei, restaurei e onde decido viver. Abri mais um capítulo da vida! Estou só! Mas a solidão enche-me. Nada mais preciso para ser feliz! Abdiquei de muita coisa, cruzei continentes e oceanos, venci batalhas fantasmagóricas! Agora, quero envelhecer ”cortar as unhas dos dedos das dificuldades e contornar águas encapeladas...Quero abrir a porta do armário e voltar a pôr as asas de falcão”. No entretanto, o candeeiro de ténue e trémula luz, ilumina a sala. Escrevo vorazmente com o receio de que a memória do futuro, desapareça, e com ela, todos os sonhos vividos, olhando o mapa do crocodilo. E um dia, pela tardinha, “a ventania bufada pela Dama austera da gadanha”, vai-me apagar e poderei então, deixar-me ir...sem medos, porque fui feliz!
Palmira Marques
[1] pano tradicional timorense
[2] pequeno barco de pesca
[3] casa
[4] bazar,mercado
[5] velhos
[6] galos
[7] muitos
[8] arroz(cozinhado)
[9] peixe
[10] arroz (plantação)
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